On Hybridity and The Poetics of Resistance
Capa: Diana Policarpo, Underground Allies, 2025. Cortesia da artista.
Publicar é um acto político de resistência, ler também.
On Hybridity and The Poetics of Resistance, a desenvolver pela Contemporânea em 2025 e 2026, opera nos domínios da criação, edição e programação. O projecto inclui duas exposições, dois ciclos de performances, dois programas públicos, sessões de escuta, screenings, duas edições impressas e digitais. Trata-se de uma proposta colaborativa e de cruzamento disciplinar — dinâmicas evocativas das práticas artísticas contemporâneas que se afirmam interdisciplinares, globais e polissémicas. No seu conjunto, pretende celebrar universos híbridos; a definição de híbrido enquanto processo de negociação e diálogo que potencia novas formas de conhecimento. Explorando a relação entre imagem em movimento, performance e som, foca-se em práticas artísticas que problematizem estes enunciados. Através de um processo expandido, o visual, o performativo, o sonoro e o digital são instrumentos de interacção e contaminação.
O conceito de híbrido é comummente associado à mitologia, habitada por criaturas fantásticas de natureza híbrida, à biologia, à indústria militar, ao pós-capitalismo industrial, à inteligência artificial e às novas tecnologias. Numa definição mais simplista, implica o cruzamento de dois ou mais elementos para a criação de um terceiro. No contexto das artes contemporâneas — que têm vindo a evoluir para modelos onde dimensões aparentemente opostas interagem e criam formas híbridas — caracteriza-se por noções de flexibilidade e fluidez, diversidade e cooperação, agenciamento e cruzamento disciplinar, dando corpo às mutações sensíveis do presente; um processo de negociação que reforça a potência poética e política da arte. O espaço híbrido revela também uma condição instável e frágil, de fusão ou alienação — matéria sensível, campo de acção e produção de múltiplas possibilidades.
O colapso ambiental, as crises associadas às migrações, o desenvolvimento sem regras da IA e os novos fascismos emergentes são alguns dos paradigmas dominantes que reflectem uma entidade cíclica complexa. O surgimento de novos territórios existenciais, associados à iminência de catástrofe, seja ambiental, humanitária, na forma de guerra total ou totalitarismos vários, assombra o momento presente. A sua interligação e interdependência são assustadoramente reais. Intimamente ligada à noção de catástrofe encontramos a ideia de utopia [Walter Benjamin e Ernst Bloch]. Ao resgatar estes conceitos, importa assinalar que a utopia é geradora de tensões conflituantes, e perspectivas aparentemente incompatíveis, entre o desejo e a impossibilidade.
A ruína contemporânea incita a um sentimento de resiliência, de reposição do mundo face às ansiedades do presente, de reestruturação da escala de valores, papéis, tempos e prioridades, onde a capacidade de construir mecanismos de resistência e estruturas não lineares de questionamento das condições actuais se torna indispensável. As cartografias artísticas contemporâneas estão destinadas a resistir, a quebrar paradigmas e estereótipos obsoletos, bem como a encontrar uma acção directa no mundo —levantar questões fundamentais e enquadrá-las no contexto actual de emergência, onde assistimos à destruição das estruturas democráticas. A mudança de direcção para um quadro político sombrio é real; a violência dos actuais discursos políticos, enraizados em ideologias autoritárias, é articulada no sentido de produzir instabilidade e medo. A violência desumaniza, e a presença tóxica do fascismo assume muitas formas e manifesta-se em diferentes contextos. Que fazer perante este quadro de “fim do mundo”? Um quadro onde o espectro de um futuro perdido é assombrado por cenários apocalípticos, onde a máquina de guerra está pronta e os algoritmos em acção. Será possível encontrar esperança na fragilidade? Uma resistência e resiliência que desafiem os seus próprios limites e atravessem as fendas do tempo, os vazios da perda, as rupturas da guerra e o espelho fragmentado da democracia.
E a arte, importa realmente? Embora o processo de recepção seja individual, a experiência híbrida contemporânea é extensível a uma variedade de elementos, materiais e disciplinas, cruza e interliga outras áreas do conhecimento e traz novas possibilidades de conexão, mesmo na fragmentação. Vive (n)o seu tempo, especulativo, incerto e delirante. De facto, talvez seja necessária para compreender a estranha lógica dos actuais desenvolvimentos, para apresentar diferentes realidades, por vezes complexas, inacessíveis e instáveis, porque ao juntar esses fragmentos, ao assumir essa fragilidade, actua além da lógica do moralismo absolutista ou do radicalismo — em direcção a uma resistência informada, a um entendimento maior sobre o que é ser-se humano, sem cair numa visão ou discurso antropocêntricos.
E a esperança — matéria em transformação, cintilante e frágil —, através do tempo, olhos nos olhos, contempla a vida; na sua bela e lenta catástrofe.
—Celina Brás
Exposição
A exposição Carma Invertido decorre no Convento dos Capuchos, em Almada, até 25 de outubro.
Screening
Sessão centrada num conjunto de filmes de Pierre Huyghe, com curadoria de Eduarda Neves. 9 de outubro, 19h15, Batalha Centro de Cinema, Porto
Sessões de Escuta
Performances
Fluid Prospections