Friendly Take-Over [Ocupação Amigável]
Ocupar três instituições ao mesmo tempo não é feito menor.
Laure Prouvost é uma artista francesa bastante conhecida, que ganhou proeminência após vencer o Turner Prize em 2013 e representar a França na Bienal de Veneza em 2019, o que consolidou ainda mais o seu género distintivo de esperanto artístico no cenário internacional. Em pouco mais de uma década, o seu trabalho seduziu instituições internacionais através de instalações imersivas e polifónicas que recorrem a práticas colaborativas, vídeo, escultura, som e performance. Este fascínio mostrou-se irresistível para a cidade de Marselha, onde está atualmente em exposição em três locais importantes—um feito que, dada a paisagem institucional relativamente modesta da cidade, a torna temporariamente inescapável.
Longe do centro da cidade, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) exibe They Parlaient Idéale (2019), o filme que esteve no coração da instalação de Prouvost para a Bienal de Veneza. Este excêntrico filme de estrada (road movie) segue um grupo de personagens coloridas e vagamente anárquicas que viajam de uma banlieue parisiense até ao Pavilhão Francês em Veneza. Pelo caminho, vagueiam por locais idiossincráticos como o Palais Idéal, construído em 33 anos por Facteur Cheval—um carteiro com um sonho—e pelas Calanques de Marselha — aquelas rochas pálidas e irregulares que a própria natureza parece ter esculpido com dramatismo. Com referências a Agnès Varda e polvos, o filme está salpicado de imagens impactantes que remetem para filmes de terror, como globos oculares—e outras membranas frágeis e húmidas—que se aproximam demasiado de objetos pontiagudos. Imagens de câmara à mão fundem-se com uma estética de telemóvel, sobrepostas com cantares, muitos sussurros em voice-over e desvios linguísticos. As narrativas saltam de língua em língua—francês, inglês, árabe, italiano—onde o discurso e a legenda não necessariamente coincidem, mas formam intrigantes non sequiturs visuais e sonoros. Prouvost consegue aperfeiçoar os códigos do amador e da arte ingénua a um ponto tão estudado que começamos a suspeitar que há um método por detrás da aparente loucura.
Se o filme de Veneza privilegia o movimento e uma jornada poliglota e inconformista via Marselha, outra intervenção de sucesso também dialoga com a cidade de forma eficaz, ainda que de modo mais estático. No topo da torre Roi René, no Forte Saint-Jean do Mucem, a artista instalou uma gigantesca escultura de cobre em forma de catavento. Intitulada Icarus, Us, Elle (2024-2025), apresenta-se como uma figura feminina aquática, com seis braços e vagamente teriantrópica, cristalizada em queda numa forma aproximada à da lua minguante. Existe também nela uma ligeira qualidade aviária, correspondente à referência ao mito de Ícaro que foi um dos pontos de partida da artista. A figura ingénua ressoa poeticamente com o seu cenário: o mar que se estende até ao horizonte, a altura da torre no final do Vieux Port, a força contrastante da arquitetura militar.
Dentro do Mucem, três espaços adicionais acolhem obras da artista, sediada em Bruxelas, e assumidamente apaixonada tanto pela costa luminosa de Marselha como pelas suas arestas mais ásperas. Em conjunto, estas instalações formam Au fort, les âmes sont, uma espécie de dérive suave através do complexo histórico. Na Salle d’Exposition da Place du Dépôt, desenrola-se Sous les Flots les Âmes Sont, uma instalação imersiva de som, filme e projeções aquosas no chão. Filmada debaixo de água ao largo das ilhas do Frioul, a obra apresenta uma lenta deriva aquática entre figuras veladas, tecidos que se assemelham a barbatanas e gestos ritualísticos. A atmosfera é azul e onírica, convidando a um estado de devaneio lúcido. Puffs são amavelmente fornecidos para encorajar a rendição, enquanto assentos de metal suspensos acrescentam um toque mais escultórico—embora menos ergonómico.
Formas humanas flutuam através do enquadramento—envoltas em vestes brilhantes e leves que ecoam a iridescência de peixes tropicais—, roçando ocasionalmente no leito marinho pálido. Os seus movimentos sugerem rituais, na sua forma coreografada e ornamental. Algumas filmagens das Calanques—semelhantes às usadas no filme They Parlaient Idéale (ou talvez emprestadas dele?)—oferecem um momento de alívio superficial e de autorreferência. Abundam também formas não-humanas, numa aproximação à estética elegante de um documentário natural: belas por si sós. No entanto, a beleza das imagens, especialmente as danças flutuantes, torna-se um pouco monótona. A banda sonora tem talvez maior impacto—ao entrelaçar habilmente partituras musicais com cliques e murmúrios subaquáticos, confere à peça uma espinha dorsal e merece ser mencionada.
Na Chapelle Saint-Jean, Mire le Mirage propõe outro tipo de encontro sensorial—um completamente privado de luz ou de qualquer ponto de entrada óbvio para o espetador. Um painel de parede perfurado por várias aberturas geométricas revela uma mistura de objetos: alguns provenientes dos arquivos do Mucem, outros recolhidos pela própria artista, juntamente com peças de vidro que produziu em Murano e Marselha. Em frente, um banco é disponibilizado para nos sentarmos. Os nichos são iluminados por breves clarões de luz intermitente, o que resulta num jogo que nos obriga, frustrantemente, a forçar a vista. Isto leva-nos a questionar se um gesto mais direto—permitir simplesmente que os objetos fossem vistos—poderia ter oferecido uma perceção mais profunda do léxico visual da artista, em vez deste cuidadosamente orquestrado jogo de escondidas onde a instalação parece desconfiar do seu próprio conteúdo.
Nas proximidades, na casamata abobadada do Forte Saint-Jean, Prouvost apresenta uma instalação composta por plantas (de facto, o local cheira bem), resina, um móbile de vidro e o vídeo Into All That Is Here (2015), este último parte de um corpo de trabalho anterior que explora temas ligados ao seu avô. O filme desenrola-se como uma sucessão de imagens luxuriantes e sensuais: formas florais de cores vivas, pistilos, lábios entreabertos, olhos maquilhados—tudo entrelaçado com insinuações. No ecrã aparecem frases que reforçam as conotações eróticas: «Somos feitos de líquido húmido» / «Queremos que te molhes». Perto do final, a atmosfera torna-se sombria. Chamas irrompem. Uma legenda lê: «As imagens estão a ficar mais quentes». Depois, numa mudança súbita, interpõem-se cenas perturbadoras do mundo real, piscando de forma quase impercetível: uma jovem a chorar sobre um corpo, uma criança ferida num hospital, uma mão que se levanta dentro de um carro como que em defesa. A velocidade destas inserções é desorientadora e roça o subliminar—tão rápida que questionamos se realmente vimos o que pensámos ter visto.
A obra pede emprestada a linguagem da sedução e do ornamento apenas para mudar de direção, quase dissimuladamente, para as crises que se desenrolam em alguns países distantes—um efeito que perturba mais do que clarifica qualquer uma das séries de narrativas. Embora esta estratégia ecoe o envolvimento mais amplo de Prouvost com o excesso sensorial, e os seus avisos sobre os riscos do consumo excessivo, aqui parece perigosamente próxima de um truque fácil, de uma manobra formulaica. O resultado é ambivalente. Em vez de abrir um novo espaço percetual e emocional ou de aprofundar o nosso envolvimento com a vida, como parece pretender, o gesto acaba por minar a própria alegria e porosidade que a artista tantas vezes nos incentiva a cultivar, enquanto se aproveita, talvez involuntariamente, de imagens de zonas de conflito.
Perto do Mucem, no histórico bairro do Panier, na Vieille Charité—antiga casa da misericórdia barroca de Marselha, transformada em marco cultural—, Mère We Sea (2024-2025) de Prouvost ocupa o coração da capela central. Suspensa sob a cúpula, uma grande escultura rosa, semelhante a uma lágrima ou a um seio lactante, paira sobre um espelho de água. Peixes de cerâmica orbitam a forma central, "nadando" pelo ar, enquanto o chão abaixo cintila com texturas aquosas e motivos marinhos em plasticina, formando um tableau teatralmente surrealista.
O som é delicadamente sobreposto no espaço: partindo de colunas escuras elevadas dispostas ao longo do perímetro, gravações de testemunhos fragmentados—recolhidos de residentes locais por estudantes e editados pela artista—recordam memórias de exílio, infância e vidas outrora passadas no próprio edifício (ou assim sugere a folha de sala). O seio, iluminado desde o interior por um brilho pulsante, está envolto em sussurros e canções. A arquitetura abobadada da capela oferece uma ressonância generosa, emprestando solenidade e escala a uma instalação que evoca um mar-cosmos maternal—suave, protetor, vagamente mítico. Encontramos aqui novamente uma constelação de símbolos caros à artista: seio, água, peixe, fluxo. Em francês, mer (mar) e mère (mãe) são palavras homófonas, um trocadilho no qual a obra se apoia de forma bastante literal. Enquanto metáfora, é coerente: o mar como mãe, o seio como mar, ambos como origem e cuidado. Mas a execução deixa pouca margem para ambiguidade, e a experiência acaba por ser nivelada—o seio gigante rouba a cena, mas não faz muito mais do que isso.
A presença de Laure Prouvost em várias instituições de Marselha é inegavelmente generosa em escala—e, note-se, com entrada gratuita em todas—, ainda que nem sempre em profundidade. A sua obra é frequentemente elogiada pelo calor, humor e ethos colaborativo—um que inclui não apenas pessoas, mas também ventos, pedras e outros aliados elementares. Esse espírito é contagiante. A artista é em si uma figura carismática, conhecida pela sua simpatia e por fomentar colaborações entre disciplinas e geografias. É talvez este mesmo carisma, e a alegria da sua estética, que a tornaram numa figura apelativa para as instituições que querem agora navegar as exigências de visibilidade e envolvimento público.
Mas aqui a visibilidade projeta uma longa sombra. Quando um único artista, por mais amado que seja, satura temporariamente o já escasso ecossistema institucional de uma cidade, inevitavelmente surgem questões—não apenas sobre acesso e distribuição, mas também sobre responsabilidade artística. Além disso, Prouvost recorre ao glossário das margens, às forças criativas do quotidiano periférico, pessoas à margem da sociedade: mulheres, trabalhadores, errantes e idosos. No entanto, sendo já uma “marca”, por assim dizer, e apesar dos lugares periféricos que Prouvost ocupa em cada uma das instituições que mostram o seu trabalho, este efeito cumulativo consolida o seu status e privilégio, em vez de surgir como leves toques de fantástico aqui e ali.
De facto, e é preciso dar-lhe crédito, alguns dos espaços que lhe foram concedidos—abóbadas, capelas, torres—estão longe de serem cubos brancos neutros, mas são precisamente aqueles que poderiam beneficiar do realce de um glitter poético. É inegável que Prouvost os trabalhou de forma inventiva: há um prazer genuíno em andar à deriva pela sua constelação marselhesa, em deixar que os sons do mar nos inundem, em render-nos ao surrealismo silencioso do seu mundo. Ainda assim, e apesar de toda a sua tactilidade superficial e ambições emocionais, a maioria das obras parece contentar-se em operar dentro de uma certa zona de conforto. Os seus gestos são frequentemente demasiado legíveis, as suas metáforas não se desdobram verdadeiramente. O universo de Prouvost pode ser fluido e feminista, mas curiosamente em Marselha também se sente sem atrito, o que acaba por realçar a precariedade da cena artística institucional—sem espaço para que a [sua contraparte] não-institucional se faça ouvir.
Imagem de capa
Laure Prouvost, Mère We Sea, à la Vieille Charité, Marseille, 2025. Foto: Sophia Elmir. Cortesia da artista.
Tradução EN-PT
Marta Espiridião