Contemporânea

"Na origem dos mitos ocidentais da relação do humano com a técnica, encontramos recorrentemente um ideal trágico no qual se joga tanto o desafio da superação sempre incompleta do humano, como a sua subjugação a uma exterioridade, a do artificial, que teme não dominar completamente.

Trata-se de uma matriz polarizada que reencenou cenários ora salvíficos ora apocalípticos, à medida que a história do progresso técnico introduzia novas possibilidades. Mas a essa evolução material não foi indiferente uma outra história, a dos imaginários através dos quais a relação humano-técnica foi codificada de acordo com enviesamentos de ordem étnica, racial, de classe ou de desqualificação.

Num momento em que que a noção de (pós)-humano parece corresponder a mais uma dramatização destas questões, procuramos indagar formas de re-imaginar representações relativas aos corpos, à subjectividade, a uma ideia de inteligência generalizada ou àquilo que não cabe na própria categoria histórica do humano."

— Manuel Bogalheiro (curadoria)

Os mitos ocidentais sobre a relação entre o humano e a tecnologia apresentam geralmente uma visão trágica: por um lado, os humanos tentam superar-se constantemente; por outro, temem ser dominados pelo artificial. À medida que a tecnologia avança, alterna-se entre cenários de salvação e de apocalipse, numa evolução que tanto é material como é marcada por imaginários políticos baseados em critérios étnicos, raciais ou de classe.

O debate do (pós-)humano, dramatizado de várias formas na atualidade, é o ponto de partida para se questionar novos modos de representar corpos, subjetividades e inteligências, que escapam à definição histórica de humano. A Culturgest e a Contemporânea juntam-se no âmbito do programa Mitologias (Pós-)humanas e Ficções Tecnológicas num debate em dois momentos, Imaginários Artísticos e Imaginários Histórico-teóricos, com artistas e pensadores, para refletir sobre a forma como as tecnologias atuais nos desafiam a imaginar outros modos de conceber o humano e a sua subjetividade.

Lou Cantor
Projeto (de)MONSTRAS
Imaginários Artísticos

16:30 | 2h
Moderação: Manuel Bogalheiro e Sofia Nunes

Um encontro com dois projetos artísticos e de investigação em torno dos imaginários da relação do humano com a tecnologia. A conversa com Kolja Glaeser, do coletivo berlinense Lou Cantor, Trabalho Afetivo e a Mente Expandida, parte do projeto artístico Spiritual Reality, o qual usa ficção especulativa para explorar a consciência e a subjetividade humanas, em relação a novas tecnologias como o ChatGPT. Ao questionar o dualismo entre humano e máquina, investiga-se a relação entre momentos chave da história da inteligência artificial e as imagens culturais dominantes sobre comportamento, afeto, trabalho, identidade, conhecimento, inteligência e espiritualidade, que persistem nos imaginários digitais atuais. O Projeto (de)MONSTRAS (Aida Castro, Ana Carolina Fiuza, Maria Mire, Catarina Braga) apresenta, em Imaginários, Corporalidades e Materialidades Anfíbias, figuras de corpos-media tidos como monstruosos, protésicos, ciborgues, não-normativos, complexos e híbridos.

Ana Teixeira Pinto
“A Mente do Homem um Ovário Não Usado” — A Inteligência Artificial Antes das Tecnologias de Informação

19:00 | 1h30
Moderação: Manuel Bogalheiro e Sofia Nunes

No verão de 2023, muitos especialistas do setor de inteligência artificial (IA) deram entrevistas aos meios de comunicação social, especulando que os recentes desenvolvimentos da inteligência artificial podem levar à extinção da humanidade. 

A ficção e personificação da IA são pré-existentes às tecnologias da informação (TI) e podem ter pouco a dizer sobre tecnologia, ciência ou economia, mas têm muito a dizer sobre fantasias evolutivas, masculinidade ou sobre a fronteira do humano e a busca da imortalidade. 

Tratando concepções metafísicas da mente como uma pré-história da inteligência artificial, Ana Teixeira Pinto, escritora, curadora, professora convidada na Academy of Fine Arts Nuremberg e tutora de teoria no Dutch Art Institute analisa aspirações e ansiedades culturais que excedem aquilo que a tecnologia permite.