more-than-human — perspectives on technology and futurity apresenta seis filmes que exploram, de formas diferenciadas, a complexa relação e análise crítica do uso da tecnologia como instrumento e dispositivo capitalista e o seu impacto na vida humana, na permutabilidade entre o natural e o artificial, o robótico e o orgânico e as tensões que esses processos geram Nas últimas duas décadas, a transformação radical e, ou, superação da condição humana, através da tecnologia, tem gerado profundas questões éticas e filosóficas.
Do ponto de vista teórico, as vantagens e os riscos associados à identidade pessoal, às novas alteridades, à igualdade e justiça social, morte e imortalidade, religião e o significado da vida. Do ponto de vista prático, a inteligência artificial e a hibridização homem-máquina, levantam questões de ética associadas ao aperfeiçoamento físico, cognitivo e moral, à defesa e à segurança. A antevisão de futuros desenvolvimentos sociais e tecnológicos inspirou este projeto que investiga noções de futurologia, mitologias transumanas e outros contextos invisíveis, corpóreos e subjetivos.
Deus, humano ou mais-que-humano? Um futuro de superação tecnológica através de biohacking, optimização cognitiva e outras tecnologias biomédicas, visa a transcendência da dimensão física — a expansão e preservação da consciência para um novo corpo biológico-artificial. A tecnologia opera, assim, enquanto promessa de omnipresença, omnipotência e omnisciência, ou seja, de imortalidade. Da ciência à cosmologia, da inteligência sobrenatural e artificial, à ficção científica e incorporando abordagens críticas que operam além da normatividade, mais-que-humano implica a reavaliação da nossa relação com a vida, a promoção de redes de ética e responsabilidade, formas colectivas de produção de conhecimento e outros modos de interpretação e entendimento que superem as fronteiras entre o eu e o outro, humano e não humano, orgânico e tecnológico e partilhem preocupações, motivações e desafios comuns, apesar das diferenças críticas ou metodológicas que possam surgir.
Um futuro de consciência ecocêntrica reclama o fim do antropocentrismo, pensa a humanidade além da sua suposta centralidade e integra perspectivas mais-que-humanas, que reconhecem um futuro ambientalmente sustentável e eticamente consciente, incorporando as problemáticas éticas, estéticas, políticas e sociais inerentes à condição contemporânea. Admirável mundo novo1 — os avanços tecnológicos inscritos em certos cenários distópicos e apocalípticos estão associados à instabilidade política, económica e social. O desenvolvimento tecnológico contemporâneo parece encarnar formas de poder e autoritarismo que desafiam fundamentos básicos de, e na, organização social, a qual se encontra em processo de transformação, incluindo a estrutura das relações interpessoais. Vivemos num cenário onde a comunicação digital e as redes sociais moldam a nossa existência e oferecem um espelho opaco de egos narcísicos sem corpo. Não é possível avaliar a extensão da manipulação dos nossos dados, mas a produção de capital depende dessa troca e circulação de informação operando através de plataformas digitais assentes em valores puramente extrativistas e capitalistas — “o capitalismo é uma máquina de tradução para a produção de capital a partir de todos os tipos de meios de subsistência, humanos e não humanos”2. A tecnologia pode, simultaneamente, representar o problema e a solução; ao considerarmos narrativas plurais mais-que-humanas criamos uma realidade partilhada, imaginamos o futuro agora.
– Celina Brás, direção artística
Sinopses
Alice dos Reis, Mandorla, 2024,
vídeo HD, 7′, cor, som, 16:9 vertical com moldura
Numa noite de trovoada, uma mulher sonha com uma gata grávida e não consegue voltar a adormecer. Algo a compele a ler sobre a biografia de Santa Cristina, a Incrível, uma santa conhecida por se alimentar do leite dos próprios seios. Ao longo da noite, enquanto lê, estranhos fenómenos sucedem-se.
Andreia Santana, Dreams of Flesh and Sand, vídeo HD, 14′ , cor, som, loop
cola de peixe, folha de alumínio, correntes inox
Mergulhemos na carne da matéria. Enquanto feminista materialista, não pensas sobre a matéria, mas com a matéria. Histórias complexas estão inscritas nos materiais com que decidiste trabalhar: histórias de corpos que trabalham, de lixadeiras, de erosão da pedra, dos tempos humanos aos tempos geológicos. Falar sobre matéria narrativa não é apenas fazer uso de uma metáfora material, mas reconhecer as suas agências narrativas como co-autoras ativas que moldam o trabalho, mas também, de forma mais ampla, o mundo e que, portanto, co-determinam a nossa existência. O teu interesse depende da biografia dos objetos? Ou das histórias da matéria em si, numa procura de torná-las mais tangíveis para os humanos?
Diogo Evangelista, Gliese 581 g, 2023,
vídeo HD, 55′, cor, som
Gliese 581 g é um filme de média metragem que combina vídeos antigos com imagens de arquivo inéditas, cenas excluídas e paisagens sonoras. Resultando numa montagem coerente e não linear, esta obra resume o trabalho audiovisual de Diogo Evangelista ao longo dos últimos 10 anos. Realizado especialmente para Contemporânea Film(e), Gliese 581 g questiona os limites entre a realidade e a ficção, explorando a nebulosa fronteira onde o real e o imaginário se misturam e se combinam. Dentro de um contexto diegético, o filme amplia a nossa compreensão sobre a relação entre humanos e tecnologia, o orgânico e o mecânico, e o genérico versus o individual numa era experiencial.
Direção Artística
Celina Brás
Horário
Terça a Domingo
10h–13h / 14h–18h
Local
Galeria Avenida da Índia
Organização
Contemporânea
Apoio
DGArtes
data
12.01 — 11.02.2024
Performance Gisela Casimiro
12.01.2024 [18:30]
Artistas
Alice dos Reis
Andreia Santana
Diogo Evangelista
Tradução do texto PT-EN e revisão do EN das sinopses
Diogo Montenegro
Fotos
Bruno Lopes
Agradecimentos
MAC/CCB
Entrada
Livre
Folha de Sala
Folha de Sala para crianças
Galerias Municipais de Lisboa/EGEAC
- Admirável Mundo Novo (Brave New World), Aldous Huxley, 1932.
- The Mushroom at the End of the World: On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, Anna Lowenhaupt Tsing, 2015.